quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Teatro

Surgiu uma necessidade de se expressar, um nó na garganta. A vida tinha sido adiada por tempo demais. No palco tudo se resolveria, as emoções da personagem dariam vazão a uma vida de sentimentos reprimidos.
Talvez estivesse ficando louco, mas preferia não pensar sobre isso, pois a razão também é estrada certa para a loucura. Agora estava aberta a porta da percepção, e a queria da forma mais pura.
Estava se preparando para uma peça, um personagem difícil, causava-lhe a dualidade amor e ódio, pois admirava a complexidade da personagem, que lhe exigiria muito trabalho, uma pesquisa acurada, um contato com o mundo através de outros olhos, novos olhos.
Com os olhos antigos, os próprios, enxergava um grande defeito em sua personagem. É que a complexidade sufocava a simplicidade, a bela e sábia simplicidade, a chave para uma vida mais evoluída.
Entardeceu. Era um belo final de tarde, não que tivesse visto, mas podia sentir de dentro do camarim onde se arrumava para apresentação daquela noite. Sentia-se bem, era um daqueles dias em que até se ri da vida.
Estava em silêncio, seu rosto não mostrava nenhum sentimento claro, percebeu isso pois se olhava ao espelho, não conseguia parar de olhar, olhava em seus próprios olhos fixamente. Assustava-lhe o que via. Como é estranho olhar para si próprio. Não estranhou no entanto quando o silêncio interrompeu-se por um odor que deixou tudo mais aguçado, inclusive as cores.
Foi quando percebeu que sua imagem não estava mais no espelho, estava ao seu lado. A imagem disse que há muito esperava por esse momento, e sem dizer mais nada, saiu e tomou o palco, posicionando-se no proscênio, olhando fixamente para todos da platéia.
Um jovem casal levantou-se, chamando a atenção de todos, beijaram-se, deram as mãos rindo e correram ao palco, onde se despiram, cessando os risos ao se deitarem.
Estava finalmente pronto para sair do camarim, estranhou o silêncio quando atingiu o palco, havia fechado os olhos para apurar a audição, o silêncio tem muito a dizer. Quando finalmente abriu os olhos, estava no proscênio, voltado para uma platéia vazia. Decepcionou-se, sentiu vontade de voltar ao camarim, virou lentamente, deparando-se com um palco tomado por corpos desnudos. A emoção foi grande, desceu à platéia e sentou-se na primeira fileira, a contemplar.

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